quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Em esperança


 Era para ser cedo.

 Tinha uma pressa remendada e de tecido rendado.

 Embora tarde, o sol ainda pulsava entre os dedos

e arremessava um gosto de saudade e esperança.

Suas mãos se aproximavam e mereciam afeto.

Era tempo.

Um tempo de morte, de desfeitos e de nó.

Era um tempo de sorte, de amor vazado,

de vida perdendo bolor.

Naquela noite, entre cedo e tarde,

a vida tomou corpo e trouxe cheiro...

mesmo que flores em agonia, 

mas de pétalas repousadas no ar.

Tempo de novos dias.

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Existem dias que são socos no estômago!
Simone Lacerda

sábado, 23 de junho de 2018

Trouxe para dentro de mim afetos tão antigos e inovei minha velha forma de pensar.
Sou humana demais para não errar e bendita para dizer.
Tenho o vento trazido na cara e mantenho aquela flor seca no meio do livro.
Tenho intenções gigantescas e sonhos que nem sempre dobram a esquina.
Às vezes, teimo em deixar para lá e em outras considero todas as linhas.
Reservo tratados com a sorte e a vida e rabisco as melhores pretensões.
Sou dada a espelhos e lamento minha face não está em seus melhores dias.
Orgulho-me dos feitos e não negligencio as falhas que brotam sempre.
Gosto de mim nos sorrisos, mas tenho ambientes mofados.
Sou tantas partes. Sou tão pouco. Sou a poeta-mulher entre traços e destroços, vertentes sinalizadas e caminhos escuros.
Vulcão que insiste viver.
Simone Lacerda

sexta-feira, 15 de junho de 2018

Uma literatura crônica


Meu coração anda transbordando estes dias. Estou cheia de emoção e amor que andam
escapando pelos poros, pelas palavras, pelos olhos e coração. Minha escrita sempre
caminhou comigo, embora, de tempos em tempos, costumo deixá-la mais a margem,
deixo de regar a alma e assim ela entra num estado de secura, esgotamento e rugas.
Mas, neste momento, tenho deitado as mais robustas e belas palavras ao meu lado, em
um enamoramento apaixonante. Ela traz para perto experiências singulares e pessoas
que desejam a literatura em abraço.
Nesta semana de lançamento do meu primeiro livro Arame farpado, encontro-me em
espírito de gratidão, de convencimento na crença do divino- Deus- na tolerância quando
sinto que tantas coisas me escapam e no respeito às minhas frestas e lacunas que sei
jamais se completarão. E isso também me permite dizer porque estou desejando e
esperando.
A ausência se converte na minha poesia, na forma de não dizer as coisas e, por tantas
vezes, acaba aflorando e sobressaltando o outro nas palavras que mais sugerem do que
definem. Aliás, não quero sentenças e amarras. Quero que o rio escorra, o verso ecoe e a
alma se misture a vida, faça massa, cresça o bolo.
A literatura é a forma que existo, mistifico o improvável e crio casos de amor e de ódio
com a existência. Há um estado de simbiose poética entre nós, o gozo de corpo e
espírito. Ela é a parte mais linda que fomento, é a voz macia que toca meus ouvidos.
A literatura é indispensável para tornar a vida mais suportável, com menos ressacas e de
esperanças amontoadas. E isso me alimenta, abastece as emoções e revigora o que tem
ressecado. Arame farpado é a presença do corpo poético, é a forma que mantenho
cravadas minhas perspectivas e minha contemplação para o sujeito.
Sou grata na alma e no coração porque há a arte e os leitores que me leem
semanalmente. Àqueles que torcem profundamente a cada conquista, que misturam
minhas palavras as suas, que solidarizam com meu discurso e o evocam em tantos
outros.
Meu “filho parido” voará em outros mundos como todo filho que se amplia, se desloca, se
propaga. É assim que o sinto…a cria já desmamada e que, neste momento, já dá seus
passos. O legado de uma obra literária se estende no outro, nos hemisférios e cenários
criados a partir do encontro do leitor com as verdades e as emoções transfiguradas em
palavras. Sou agraciada por ter a preciosidade da poesia.
Obrigada a todos vocês leitores pela generosidade e pelo afeto.

Data: 28 de outubro de 2017.

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Habitantes dos outros





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Estes dias, em uma palestra em uma escola, fui indagada sobre o sentido da vida. Tal pergunta realmente me fez pensar sobre o que tenho feito de bacana nesta terra e de que forma tenho contribuído para que este mundo, no qual habito, seja, substancialmente, melhor. Sem dúvida, fico pensando que, como “ bons” mortais, devemos tocar em outras existências.
Devemos passar as frestas e chegar na essência daquele que é tão igual e diferente a nós. Precisamos, com urgência, chegar ao outro, tocar as mais preciosas esferas do coração. E isto não requer de nós equações complexas ou achados de numerologia, apenas que sejamos mais humanos, com menos máscaras e cascas.
Ter empatia, ser altruísta, resiliente, amor ao próximo, generosidade constituem ações de aproximar-se, permitir que a estrela vinda dos olhos e pousada no coração apareça, resplandeça. Somos muito especiais , carregamos muita poesia na nossa vida e história.
Cada um traz consigo uma riqueza de vida, tantos desafios vencidos, dilemas instaurados e ressignificados, alicerces vigorados, enfim, há uma beleza no outro exclusiva e que, de forma ímpar, podemos trazer à tona.
Sou agraciada porque tenho a literatura, a arte que somente ganha corpo e lindeza quando consegue atingir ao indivíduo, quando provoca um estranhamento, uma sensação, indispensáveis para que signifiquemos a vida e o nosso papel diante de milhões de pessoas.
Tocar e permanecer naquele, sustentando sua alteridade, é indispensável para que continuemos acreditar na esperança, para que continuemos enfeitar as janelas com flores, para que o sol aqueça as mais frias tardes e haja crença nas situações, ainda que soturnas.
A admiração no humano e toda sua construção nos dão a possibilidade de veredas e vertentes lubrificadas de respeito, amor e persistência. O querer ao outro, o desejar bem e fomentar sua expansão devem proliferar em nós, em nossas concepções de humanidade. Sem isso, nossa condição de existir sofrerá de raquitismo, e seremos, unicamente, ruínas e desertos.
É isso! Precisamos viver no outro, habitar suas margens, reverenciar suas matizes, poetizar seus universos. Na vivência alheia, plantamos o melhor de nós, trazemos flores e árvores, livros e edições, tão fantásticas que também mudam o curso de nossa história. Respondendo quem me fez a pergunta acerca do sentido da minha existência, acredito que minha vida requer, também, o sonho e a mundividência daquele que me toca e mora em mim.



quinta-feira, 14 de setembro de 2017

A construção do sujeito na (in) felicidade




Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você.
 Tenho me assustado com o  número de pessoas que vivem à base de antidepressivos. São indivíduos que precisam tomar medicamentos para dormir, para acordar, para estar bem, enfim, evitar o sofrimento, tão real na vida. Isso acaba, sem sombra de dúvida, por anestesiar o sujeito de si mesmo.
Por outro lado, nunca se vendeu tanta “felicidade” em posts em instagram e facebook, como se os seres humanos fossem obrigados, a qualquer custo e mesmo que, superficialmente, estar feliz e negar qualquer forma de infelicidade. Não há nada mais terrível.
Há uma busca desenfreada pelo amparo, mesmo sabendo que estar vivo já nos coloca em situações de total desencontro. Viver requer de nós embates diários com os diferentes dilemas que nos circundam e, mais que isso, requer que saibamos conviver com os fracassos, pois eles sempre virão.
Não há uma felicidade linear, visto que somos seres oscilantes e que se modificam a todo o momento. Significar-se como um ser que “precisa” a todo instante estar feliz fará com que fiquemos frustrados e tomados, muitas vezes, de prostração e uma densa tristeza. O consumo, as viagens, as festas de fim de semana, o corpo milimetricamente esculpido não farão de você alguém mais completo e pleno.
A felicidade, algo tão subjetivo, é construída de momentos alegres, como projetos realizados, família unida, valorizações, relacionamentos, etc, que nos dão conforto e possibilitam ter perspectivas e sentidos para o que nos propomos fazer. Não viver as perdas- luto (passamos por tantos na vida) nos fazem seres que precisarão de muletas para continuar existindo, pois não significamos o papel da dor no processo de nossa reconstrução. A dor é a oportunidade de crescimento, de estabelecimento de coragem e de vida, fomentando algo indispensável a nós: resiliência.
Neste aspecto, o  mundo contemporâneo tem exigido dos indivíduos uma postura muito mais artificial, alimentando uma vaga noção de felicidade ao poder de compra, à fama, beleza e ao status.  O sujeito é reificado, colocado como produto, algo manipulável e superficial, logo, não ir ao encontro dessa realidade nos fazem destoantes do discurso maniqueísta.
Muitos, desta forma, incorporam uma intolerância à frustração e às tristezas, o que o transforma em um ser cada vez mais doente. Dado o imediatismo, vemos tantos recorrerem ao que poderá amortizar ou adormecer tais insatisfações, mas, o caos permanece ali se não ressignificado.
Nunca estivemos em uma sociedade tão narcisista e hedonista, sem um olhar mais particular para o outro. E essa busca tão desenfreada pelo prazer e felicidade a qualquer preço em detrimento de qualquer outra coisa nos empurra ainda mais para um abismo cada vez mais profundo. Deixamos de ser o sujeito para ganhar ares de objeto, deixamos de ter a poesia gerada também na angústia para desfrutarmos de leituras vazias e de “pseudo-ajuda”, deixamos de conclamar nossos cenários, dotados de caos e possibilidades, para rechear nossas salas de estar com objetos de decoração.
A felicidade é sempre possível, mas, se nego que serei infeliz tantas vezes, deixo de ser  mais humano. Os caos e os confrontos são parte das cascas e calos que marcam e individualizam nossa história, tornando-nos muito mais especiais. Sem caos e embates, não produzirei a minha pérola, parafraseando meu saudoso Rubem Alves.


domingo, 10 de setembro de 2017

Decomposição


Ainda acredito na vida desenfreada, sem prestação de tempos e de acordos com alto preço. Sou dada ao avesso e, por isso, considero novas datas e horas para a alegria em compassos de samba e bossa nova, com brisa que teima aparecer e arrepiar minha pele sobressaltada. Ainda acredito que marés anunciam luas e períodos de frio, que meus pés encharcados embalsam minha alma tantas vezes atordoada que se encoraja toda vez que a manhã se anuncia.
Sei que meu moço- ainda acredito- trará os melhores ventos e encharcará meus olhos com os irrecusáveis perfumes, com a felicidade traçada no cotidiano, com as mãos que se esbarram e procuram os corpos. O abraço convertido em noites sem pressa e muito maiores do que descritas naqueles poemas de verão.
Sou crente de amor real, de amores que desembocam de livros e se anunciam, rastreiam meu jeito, minhas nuances e meu cheiro e simplificam boa parte dos meus cenários elaborados minuciosamente, sem qualquer pretensão.
Acredito no conforto do outro, embora eu seja desconfortável, dado em meio às minhas crises de sangue, de espírito moribundo, de desordem existencial cravada em devaneios. Tenho fé que este amor tratará meus subterfúgios, emergirá nos meus mais infundados momentos e será bálsamo nas feridas que se recusam criar cascas.
Assumo que minha pretensa coragem vem de minha poesia brejeira e sem título, que me seca e encharca.. Da poesia que não recusa os dias insuportáveis nem o princípio da realidade, que se inebria na beira do abismo mesmo correndo os riscos.
Acredito que a vida não se suporta sem as instabilidades e confrontos. E eu não nego que minha existência arredia, solitária e sempre poética seja plenamente possível, seja a crença instituída ou plástica.
Eu sou apenas o gozo que se deseja, a poesia tolerável e sem capas, a moça dos dias mais solares e mais soturnos, a mulher que não se aborta e reverencia o seu melhor amor com todas as flores, semiótica e força, com toda a preciosidade , sol, lua, com todos os universos e os minúsculos. Sim, eu acredito. Simone Lacerda